Os Donos do Mundo

Esse artigo foi transformado em uma série no meu canal. Recomendo vivamente.

Tutancâmon, César, Carlos Magno, Napoleão, Stalin e tantos outros sempre foram
guiados pela seguinte máxima: era o destino deles dominar o mundo, e a marcha do tempo
se confundia com o desenrolar desse, sendo uma questão de quando o projeto estaria
concluído. Evidentemente, nenhuma dessas tentativas conseguiu seu objetivo, mas isso
não significa que o ímpeto soberano de algumas pessoas e grupos tenha se apaziguado
com os milênios de fracassos. Muitos, ainda hoje, encantados pelas bandeiras e símbolos
nacionais vislumbram o cenário mundial como um diálogo entre estados e ignoram tal
impulso nas análises. Ora, não são os estados e os governos que mandam, mas sim os
grupos e os indivíduos e, em suma, as pessoas são quem realmente mandam. Mais que
isso, todas elas estão tentadas a buscar tal designo e repetir os mesmos destinos já
eternizados. Hierarquizar os estados não é uma tarefa que exija demasiada percepção,
mas identificar quem de fato controla esses estados, para além dos títulos e designações
oficiais, e captar como esse impulso se materializa atualmente demanda grande
capacidade de qualquer analista político.

De modo geral o mundo hoje é um ringue formado por um banqueiro, um sacerdote
e um militar. Essa metáfora, em que cada um representa um bloco, também exprime o
núcleo de atuação perante o qual os demais orbitam: o econômico, o religioso/cultural e
o militar. Pois bem, vamos dar nome aos bois.

O banqueiro é o grupo dos globalistas, os metacapitalistas, a elite financeira
ocidental, cuja atuação já transcendeu o enriquecimento e as disputas de mercado. De
modo explícito esse bloco se materializa na família dos Rockfeller, o Clube de Bilderberg,
o Clube de Roma e tantos outros. O próprio David Rockfeller, neto do original e falecido
em 2017, confessa na sua autobiografia Memoirs, na página 427:

Alguns acreditam que somos parte de um grupo secreto de conspiradores
trabalhando contra os interesses dos Estados Unidos, caracterizando minha família e eu
como ‘internacionalistas’ e afirmando que conspiramos com outras pessoas ao redor do
mundo para construir uma estrutura global política e econômica mais integrada – um
mundo unificado, se quiser chama-lo assim. Se esta é a acusação, declaro-me culpado e
tenho orgulho da minha culpa.

Creio que, após tão clara apresentação, posso me esquivar do rótulo de
conspiracionista. O modus operandi deles é, evidentemente, sorrateiro. Por meio de
decisões supranacionais da ONU e outras instituições são capazes de aprovarem
resoluções sem que exista algum debate nos parlamentos nacionais. Não é por acaso que
muitas decisões da já referida instituição proferem abertamente que se não forem acatadas
serão realizados embargos diplomáticos, econômicos e até militares. Já no Relatório de
Desenvolvimento Humano de 1994 declarou-se abertamente que os problemas da
humanidade já não podem ser resolvidos pelos governos nacionais. O que é preciso é um
governo mundial. A melhor maneira de realizá-lo é fortalecendo as Nações Unidas.

Diante do enunciado não é raro percebermos, mesmo no meio liberal e conservador,
declarações que suportam o governo mundial. Os slogans mais idiotas, como o de que
certos problemas só podem ser tratados por uma autoridade global, como a fome, o tráfico
e etc, são vulgarmente repetidos com a maior naturalidade. Mesmo sedutor, se sabe que a melhor maneira de resolver grandes problemas é parti-los em menores, assim delegando
as autoridades locais a resolução de seus nichos. Qualquer argumento em favor de um
governo mundial que se baseie na eficiência da resolução de problemas é falacioso, sem
recurso de objeção. Ainda assim, sob doses homeopáticas, não são raros os casos em que
movimentos locais tomam proporções globais, até mesmo com os debates parlamentares
de um país se estendendo aos demais quase que por osmose, e suas decisões legislativas
também seguindo a tendência, por mais heterogêneas que sejam as condições de cada um,
isso quando esse já não vem pronto da própria ONU. Mas o resultado de uma crescente
administração pública, aliada ao monopólio dos meios de comunicação e a formação de
militâncias globais, não poderia ser outro.

E o que eles ganham com isso? Simples: mais poder. A supressão das soberanias
auxilia, e muito, o enriquecimento desses grupos. Sob a defesa do livre-mercado vários
caem em tal retórica, sem perceberem que a defesa de bons princípios nem sempre produz
bons resultados, e que essa elite é a primeira a formar monopólios e combater a livre
concorrência após instalada no poder. Ignorar as nuances geopolíticas pela defesa da
“eficiência econômica” é idiotice crônica. Assim se constitui o bloco: silencioso, quase
invisível aos olhos da grande mídia que, ou por ignorância, ou por descaramento, auxilia
tal projeto disseminando seu discurso e encobrindo suas provas. Atuando em busca do
fim das soberanias nacionais financia as pautas mais heterogêneas, desde progressistas
até falsos cientificismos, resguardado pelo seu clero de intelectuais modernistas,
financiados desde as faculdades, para conseguir a expansão da sua atuação econômica.

Já o sacerdote corresponde ao bloco islâmico. Esse, ao contrário do primeiro, não
é apenas o projeto de uma elite, mas de toda uma civilização, sendo o único dos três em
que milhões, independente da sua posição hierárquica, estão conscientemente
comprometidos com o objetivo final: a islamização do mundo. A escatologia islâmica, a
ideia de que é seu destino espalhar sua religião pelo globo, tem sido um alvo perseguido
por séculos. O islã nasceu como um projeto de dominação e, já no século VIII, por
exemplo, grandes extensões do oriente, norte da África, península ibérica e até regiões do
sul da França estavam sob o domínio islâmico. Esse cenário, mesmo tendo sido parcial e
tardiamente remediado pelas cruzadas a partir do século XI, não foi suficiente para
impedir a queda do Império Romano do Oriente, em 1453, ou o cerco a Viena em 1529.
Assim, com o passar dos séculos, o islamismo continuou sua expansão.

Atualmente, contrariando os emocionados defensores da democracia que enxergam
na primavera árabe a ascensão da liberdade, muitas das elites militares derrubadas nesses
países foram substituídas ou por governos quase teocráticos e seguidores da sharia ou por
guerras civis fortemente lideradas pelo Hamas, Al-Qaeda, Talibã, Hezbollah e tantos
outros. A Líbia, por exemplo, após uma intervenção da OTAN se viu livre do ditador
Gadafi. O que veio a seguir foi, contrariando as expectativas de uma pujante democracia,
o quase estabelecimento da sharia, o que foi impedido pelo general Haftar com uma
segunda guerra civil.

Não obstante sua presença maciça na África e no Oriente, além de uma força cada
vez maior na Europa, o islamismo é dotado de um aporte intelectual formidável. Mais
que uma religião, o islamismo é um projeto civilizacional que, ao contrário da crença
cristã do fim da história com o julgamento divino, materializa a sua escatologia como um fenômeno histórico. Desse modo, seu posicionamento é confundível com o curso da
humanidade, assim absorvendo as religiões e culturas anteriores e se posicionando como
a grande síntese. Seu modus operandi sobrepuja a simples expansão econômica ou
militar, que são apenas apêndices da conversão cultural do mundo, e o seu avançado
complexo teórico extrapola o de qualquer outro bloco, abarcando a adesão e a militância
consciente de todas as castas em um projeto mais que milenar. Sem dúvida, a pirotecnia
dos conflitos armados ofusca sua expansão cultural até dentre os olhares mais atentos do
ocidente.

Por fim, o militar corresponde ao eixo Moscou-Pequim, o bloco eurasiano. Esse
projeto, cuja liderança é disputada entre a Rússia e China, e por consequência pelos
herdeiros da KGB e a cúpula do Partido Comunista Chinês, busca subjugar a Europa e
rebaixar os EUA a condição de potência secundária. Em última instancia, buscam
degradar o ocidente. Até alguns anos atrás chamar-se-ia de conspiração ou devaneio, mas
após a reforma constitucional russa de 2020, em que o Putin poderá estender seu czarado
por mais 16 anos, e após a reforma chinesa de 2018, em que o mandato de Xi Jinping se
tornou vitalício, não enxergar a consolidação desse projeto é perturbação mental. No caso
russo a falta de uma ideologia fixa é quase a norma, sendo a soberania russa o fim
máximo. Por isso, não é de se estranhar que as operações do império, da URSS e da atual
“república”, são extremamente semelhantes: expansão pelo leste europeu, oriente médio,
região do Cáucaso e subjacentes. Já a China vem consolidado seu projeto desde a
revolução de 1949, tensionando um estado forte e opressivo com uma economia de livre-mercado que orbita em torno das ZEEs. Sua consolidação como potência regional abriu
o precedente para a busca da hegemonia global, como já declarado na abertura do XIX
Congresso do Comunista, em 2017.

Como o modus operandi dos dois países é pela via militar, menos silencioso que os
outros dois, as reações também tem se mostrado mais enérgicas. Além dos
desentendimentos entre as duas potências também se segue a reação do leste europeu, se
afastando casa vez mais de Moscou e buscando aliança com a OTAN e a integração na
União Europeia, e a formação de uma coalização contra a China, já formada pelos EUA,
Japão, Índia, Austrália, Filipinas e tantos outros. Ainda assim, a influência desse bloco é
aterradora, financiando ditaduras remanescentes, como a venezuelana e a norte-coreana,
guerras civis, movimentos separatistas e até de grupos terroristas.

Evidentemente, esses blocos possuem seus momentos de flerte, como a busca pelo
enfraquecimento dos EUA e do ocidente, e de cisão, como os conflitos no Oriente Médio.
Na tensão entre os três projetos os EUA oscilam entre uma resistência, como foi durante
o governo Reagan, Bush e o de Donald Trump, a tentativa de tomar a liderança do projeto
globalista, como foi com o Clinton e Obama: tudo pode mudar com uma eleição. Muito
mais há de ser dito sobre esses projetos, incluindo sua atuação sobre os países
subdesenvolvidos e sobre o Brasil, mas creio que por apresentação isso já seja um bom
começo. Mas não, não encontrará muito mais sobre isso nos jornais da Globo, Folha,
Estadão, CNN ou qualquer outra já comprometida pelos monopólios.

Artigo originalmente publicado em setembro de 2020.

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