— A desastrosa invasão da Ucrânia pela Rússia significa que a Arménia já não pode contar com Moscovo para garantir a sua segurança, mesmo face aos receios crescentes de um regresso ao conflito aberto com o Azerbaijão, disse o primeiro-ministro arménio, Nikol Pashinyan, numa entrevista ao POLITICO.
As críticas extremamente duras deste político à incapacidade da Rússia para desempenhar o papel de polícia no Cáucaso apenas intensificam o sentimento de que O Kremlin está a perder a sua influência – e o seu outrora tão alardeado estatuto de superpotência – nas antigas repúblicas soviéticas, que Moscou tradicionalmente considerava “seu quintal”.
A desilusão em Yerevan poderá representar um grande ponto de viragem para o país de 2,8 milhões de habitantes, que após o colapso da URSS entregou à Rússia grande parte do controlo sobre os seus caminhos-de-ferro, o sector energético e até as suas fronteiras.
Quando a Arménia travou uma guerra de 44 dias contra forças azerbaijanas mais fortes, apoiadas pela Turquia, em 2020, deixando milhares de mortos em ambos os lados, foram as forças de manutenção da paz russas que foram enviadas ao país para manter um cessar-fogo.
Agora, porém, a Rússia está plenamente empenhada na guerra na Ucrânia e crescem as preocupações em Yerevan sobre se os soldados do Presidente Vladimir Putin estão dispostos ou são capazes de manter a paz no Cáucaso. No entanto, são absolutamente justificados – existe o perigo de a Arménia retomar a luta com o Azerbaijão pelo enclave separatista de Nagorno-Karabakh.
O modelo é insustentável
— Como resultado dos acontecimentos na Ucrânia, as capacidades da Rússia mudaram, disse Pashinyan. Ele disse que está tentando evitar alienar o Azerbaijão e seu aliado próximo, a Turquia. Ambos os países ganharam importância estratégica para o Kremlin quando este atacou a vizinha Ucrânia.
— A nossa estratégia nesta situação deve ser a de nos esforçarmos para reduzir ao máximo a nossa dependência dos outros, acrescentou. — Queremos ter um país independente e soberano, mas devemos ter formas de evitar estar no centro dos confrontos entre o Ocidente e o Oriente, o Norte e o Sul… Não pode haver uma situação em que a Arménia se torne um tema substituto. Isso é inaceitável.
Ele argumentou que apelar para um grande protector – no caso da Arménia, a Rússia – sempre que eclodia um conflito era simplesmente insustentável.
“O modelo em que temos problemas com os nossos vizinhos e temos de convidar outros para nos proteger – não importa quem sejam esses outros – é um modelo muito problemático”, disse ele.
Tensões crescentes
Desde a queda da União Soviética, ocorreram duas guerras em Nagorno-Karabakh, que está localizado no Azerbaijão, mas controlado pela etnia arménia. Em ambos os casos, a Rússia interveio e agiu como garante da segurança.
Actualmente, a capacidade de Moscovo para garantir o status quo parece estar a diminuir rapidamente.
Piscina Sputnik Kremlin/Associated Press/East News/East News
O presidente russo, Vladimir Putin, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, Rússia, 26 de novembro de 2021.
— A situação de segurança mudou drasticamente com violações ao longo da linha de contato e a invasão do território de Nagorno-Karabakh, disse Pashinyan, acusando o Azerbaijão de criar “crise humanitária” ao fechar o Corredor de Lachin – a única autoestrada que liga a região à Arménia, que as tropas de Moscovo deveriam proteger nos termos do cessar-fogo de 2020.
Grupos de ajuda dizem que o fornecimento de alimentos e combustível está bloqueado há meses e foram emitidos alertas sobre a fome iminente na região. O governo do Azerbaijão apelou aos arménios de Karabakh para deporem as armas e aceitarem o seu governo.
Tergiversação
“Foi um sinal claro de que a Rússia parou de pressionar”, disse Pashinyan. — Tudo isto (…) deveria ser da responsabilidade das forças de manutenção da paz russas e, neste aspecto, as forças de manutenção da paz russas falharam.
Ele então acrescentou: – No entanto, não posso dizer que se não houvesse forças de manutenção da paz russas em Nagorno-Karabakh, a situação seria melhor agora.
A frustração com a falta de ajuda das forças russas faz parte de um padrão deterioração das relações entre Moscovo e Yerevan.
Na semana passada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia disse que convocou o embaixador armênio para uma conversa “difícil” no que descreveu como uma “série de medidas hostis”. Isto referia-se à decisão de Yerevan de enviar ajuda humanitária à Ucrânia e ao facto de a esposa de Pashinyan, Anna Hakobyan, ter feito uma visita oficial a Kiev.
A Arménia também retirou o seu representante na aliança militar CSTO (Organização do Tratado de Segurança Colectiva), liderada por Moscovo, da qual é membro. Isto acontece depois de ela ter acusado anteriormente o bloco de não ter dado resposta aos seus pedidos de apoio após a ofensiva do Azerbaijão em Setembro passado.
Em vez disso, convidou soldados americanos para realizar exercícios conjuntos no país, com o codinome Eagle Partner 2023. A Rússia, é claro, não gostou desta decisão.
Na terça-feira, Anthony Brenton, ex-embaixador britânico na Rússia, disse à Reuters que o “desempenho desastroso de Moscovo na Ucrânia” forçou países como a Arménia, que anteriormente dependiam do seu apoio, a “procurar outros protetores mais confiáveis”.
Num discurso no mesmo dia, Putin disse que havia pouco que a Rússia pudesse fazer em relação a Nagorno-Karabakh, depois de a Arménia o ter reconhecido no início deste ano como território soberano do Azerbaijão. Pashinyan confirmou esta posição numa entrevista ao POLITICO, mas disse que cabe agora à comunidade internacional garantir que não haja “limpeza étnica” na região.
Relações de vizinhança
As tropas do Azerbaijão e da Arménia foram colocadas em alerta máximo como resultado dos confrontos dos últimos dias. A missão de monitorização civil da UE relatou “aumento de tensões e fogo cruzado” ao longo da fronteira. Segundo Pashinyan, “um cenário de escalada não pode ser descartado”. No entanto, acrescentou que “as forças que foram mobilizadas devem regressar às suas bases”, sublinhando que “a Arménia está pronta para isso”.