A decisão da Coreia do Norte de enviar milhares de soldados para as linhas da frente da Ucrânia cimenta a controversa aliança militar de Pyongyang com Moscovo, disseram especialistas à AFP, e empurra a Rússia ainda mais para a segurança da península coreana.
Cerca de 1.500 soldados das forças especiais norte-coreanas já estão na Rússia se aclimatando, provavelmente indo para a linha de frente em breve, disse a agência de espionagem de Seul na sexta-feira, com milhares de soldados prestes a partir em breve, o primeiro destacamento de Pyongyang no exterior.
A medida demonstra que o acordo militar assinado entre Kim Jong Un, da Coreia do Norte, e Vladimir Putin, presidente russo, em Junho, que incluía uma cláusula de defesa mútua, não foi apenas para exibição.
“Isto estabelece um quadro em que a intervenção ou o apoio militar da Rússia ocorrerá automaticamente se a Coreia do Norte for atacada ou enfrentar uma crise”, disse Hong Min, analista sênior do Instituto Coreano para a Unificação Nacional, à AFP.
O facto de soldados norte-coreanos lutarem ao lado da Rússia na Ucrânia prova quão “sólido” é realmente o acordo Putin-Kim, disse Hong.
E o reforço de tropas de Pyongyang poderia ajudar Moscovo a manter “territórios ocupados ou ajudar em ganhos territoriais adicionais”, acrescentou.
A Coreia do Norte e a Coreia do Sul continuam tecnicamente em guerra, uma vez que o conflito de 1950 a 1953 terminou com um armistício e não com um acordo de paz. Mas embora Kim tenha construído um arsenal nuclear, Seul carece de armas nucleares próprias.
O Sul está protegido pelo chamado guarda-chuva nuclear dos EUA e Seul e Washington realizam rotineiramente exercícios militares conjuntos em grande escala, o que enfurece Pyongyang.
Ao enviar tropas para a Rússia, Kim poderia esperar criar uma dissuasão militar norte-coreana e russa mais integrada, semelhante à aliança EUA-Coreia do Sul, potencialmente “resultando numa mudança significativa” na dinâmica de segurança das Coreias, disse Hong.
‘Mudança significativa’
O Centro estatal de Comunicação Estratégica da Ucrânia divulgou na sexta-feira um vídeo que supostamente mostra soldados norte-coreanos no que parece ser um acampamento militar russo se preparando para se juntar à guerra de Moscou na Ucrânia.
Na filmagem, um dos soldados parecia dizer “saia” para seus colegas com sotaque norte-coreano.
A agência de espionagem de Seul disse à AFP que era “inapropriado” comentar materiais divulgados pelo governo de outro país.
Especialistas dizem que a implantação dá aos soldados de elite da Coreia do Norte a oportunidade de experimentar a guerra moderna e ver como o armamento caseiro do país – que Seul há muito acusa Kim de enviar para a Rússia – se comporta no campo de batalha.
Também poderia ser uma tentativa de Kim para melhorar sua estatura internacional e posição de negociação antes das eleições nos EUA no próximo mês, disse à AFP Lee Sang-min, pesquisador do Instituto Coreano de Análises de Defesa.
“Uma forma de atrair a atenção global fazendo algo repreensível é enviar tropas para apoiar a guerra na Ucrânia, o que poderia prolongar o conflito ou deslocá-lo a favor da Rússia”, disse ele.
Economia de guerra
Para a Rússia, o benefício do destacamento norte-coreano é claro, disse Vladimir Tikhonov, professor de estudos da Coreia na Universidade de Oslo.
“O principal gargalo da Rússia é a escassez de mão de obra militar e de mão de obra, e a Coreia do Norte tem um grande potencial inexplorado para aliviar ambos”, disse ele à AFP.
As relações entre as duas Coreias estão num dos pontos mais baixos dos últimos anos, com Kim a sublinhar na quinta-feira que o país abandonou a “ideia irracional de reunificação”.
Especialistas dizem que Pyongyang também poderia estar a usar a Ucrânia como meio de realinhar a sua política externa.
Ao enviar soldados, a Coreia do Norte está a posicionar-se dentro da economia de guerra russa como fornecedor de armas, apoio militar e mão-de-obra – potencialmente até contornando o seu aliado tradicional, vizinho e principal parceiro comercial, a China, segundo analistas.
“Isso significa que Pyongyang não estará motivado a procurar melhorias nas relações com o Japão, a Coreia do Sul e os EUA”, disse Tikhonov.
“Isso significa um estado constante de tensão na Península Coreana”.
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